É uma entrevista bem interessante e vale super a pena a leitura. Ele fala sobre política, tráfico, religião etc. Sua fala me deixou bastante surpreso, pois é bem consciente de seus erros. Confira:
Era sexta-feira 4 de novembro. Cheguei à Rua 2 às 18 horas. Ali fica, num beco, a casa comprada recentemente por Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, por R$ 115 mil. Apenas dez minutos de carro separam minha casa no asfalto do coração da Rocinha. Por meio de contatos na favela com uma igreja que recupera drogados, traficantes e prostitutas, ficara acertado um encontro com Nem. Aos 35 anos, ele era o chefe do tráfico na favela havia seis anos. Era o dono do morro.
Queria entender o homem por trás do mito do “inimigo número um” da cidade. Nem é tratado de “presidente” por quem convive com ele. Temido e cortejado. Às terças-feiras, recebia a comunidade e analisava pedidos e disputas. Sexta era dia de pagamentos. Me disseram que ele dormia de dia e trabalhava à noite – e que é muito ligado à mãe, com quem sai de braços dados, para conversar e beber cerveja. Comprou várias casas nos últimos tempos e havia boatos fortes de que se entregaria em breve.
Logo que cheguei, soube que tinha passado por ele junto à mesa de pingue-pongue na rua. Todos sabiam que eu era uma pessoa “de fora”, do outro lado do muro invisível, no asfalto. Valas e uma montanha de lixo na esquina mostram o abandono de uma rua que já teve um posto policial, hoje fechado. Uma latinha vazia passa zunindo perto de meu rosto – tinha sido jogada por uma moça de short que passou de moto.
Aguardei por três horas, fui levada a diferentes lugares. Meus intermediários estavam nervosos porque “cabeças rolariam se tivesse um botãozinho na roupa para gravar ou uma câmera escondida”. Cheguei a perguntar: “Não está havendo uma inversão? Não deveria ser eu a estar nervosa e com medo?”. Às 21 horas, na garupa de um mototáxi, sem capacete, subi por vielas esburacadas e escuras, tirando fino dos ônibus e ouvindo o ruído da Rocinha, misto de funk, alto-falantes e televisores nos botequins. Cruzei com a loura Danúbia, atual mulher de Nem, pilo-tando uma moto laranja, com os cabelos longos na cintura. Fui até o alto, na Vila Verde, e tive a primeira surpresa.
Não encontrei Nem numa sala malocada, cercado de homens armados. O cenário não podia ser mais inocente. Era público, bem iluminado e aberto: o novo campo de futebol da Rocinha, com grama sintética. Crianças e adultos jogavam. O céu estava estrelado e a vista mostrava as luzes dos barracos que abrigam 70 mil moradores. Nem se preparava para entrar em campo. Enfaixava com muitos esparadrapos o tornozelo direito. Mal me olhava nesse ritual. Conversava com um pastor sobre um rapaz viciado de 22 anos: “Pegou ele, pastor? Não pode desistir. A igreja não pode desistir nunca de recuperar alguém. Caraca, ele estava limpo, sem droga, tinha encontrado um emprego... me fala depois”, disse Nem. Colocou o meião, a tornozeleira por cima e levantou, me olhando de frente.
Foi a segunda surpresa. Alto, moreno e musculoso, muito diferente da imagem divulgada na mídia, de um rapaz franzino com topete descolorido e riso antipático, como o do Coringa. Nem é pai de sete filhos. “Dois me adotaram; me chamam de pai e me pedem bênção.” O último é um bebê com Danúbia, que montou um salão de beleza, segundo ele “com empréstimo no banco, e está pagando as prestações”. Nem é flamenguista doente. Mas vestia azul e branco, cores de seu time na favela. Camisa da Nike sem manga, boné, chuteiras.
– Em que posição você joga, Nem? – perguntei.
– De teimoso – disse, rindo –, meu tornozelo é bichado e ninguém me respeita mais em campo.
Foi uma conversa de 30 minutos, em pé. Educado, tranquilo, me chamou de senhora, não falou palavrão e não comentou acusações que pesam contra ele. Disse que não daria entrevista. “Para quê? Ninguém vai acreditar em mim, mas não sou o bandido mais perigoso do Rio.” Não quis gravador nem fotos. Meu silêncio foi mantido até sua prisão. A seguir, a reconstituição de um extrato de nossa conversa.
UPP “O Rio precisava de um projeto assim. A sociedade tem razão em não suportar bandidos descendo armados do morro para assaltar no asfalto e depois voltar. Aqui na Rocinha não tem roubo de carro, ninguém rouba nada, às vezes uma moto ou outra. Não gosto de ver bandido com um monte de arma pendurada, fantasiado. A UPP é um projeto excelente, mas tem problemas. Imagina os policiais mal remunerados, mesmo os novos, controlando todos os becos de uma favela. Quantos não vão aceitar R$ 100 para ignorar a boca de fumo?”
Beltrame “Um dos caras mais inteligentes que já vi. Se tivesse mais caras assim, tudo seria melhor. Ele fala o que tem de ser dito. UPP não adianta se for só ocupação policial. Tem de botar ginásios de esporte, escolas, dar oportunidade. Como pode Cuba ter mais medalhas que a gente em Olimpíada? Se um filho de pobre fizesse prova do Enem com a mesma chance de um filho de rico, ele não ia para o tráfico. Ia para a faculdade.”
Religião “Não vou para o inferno. Leio a Bíblia sempre, pergunto a meus filhos todo dia se foram à escola, tento impedir garotos de entrar no crime, dou dinheiro para comida, aluguel, escola, para sumir daqui. Faço cultos na minha casa, chamo pastores. Mas não tenho ligação com nenhuma igreja. Minha ligação é com Deus. Aprendi a rezar criancinha, com meu pai. Mas só de uns sete anos para cá comecei a entender melhor os crentes. Acho que Deus tem algum plano para mim. Ele vai abrir alguma porta.”
Prisão “É muito ruim a vida do crime. Eu e um monte queremos largar. Bom é poder ir à praia, ao cinema, passear com a família sem medo de ser perseguido ou morto. Queria dormir em paz. Levar meu filho ao zoológico. Tenho medo de faltar a meus filhos. Porque o pai tem mais autoridade que a mãe. Diz que não, e é não. Na Colômbia, eles tiraram do crime milhares de guerrilheiros das Farc porque deram anistia e oportunidade para se integrarem à sociedade. Não peço anistia. Quero pagar minha dívida com a sociedade.”
Drogas “Não uso droga, só bebo com os amigos. Acho que em menos de 20 anos a maconha vai ser liberada no Brasil. Nos Estados Unidos, está quase. Já pensou quanto as empresas iam lucrar? Iam engolir o tráfico. Não negocio crack e proíbo trazer crack para a Rocinha. Porque isso destrói as pessoas, as famílias e a comunidade inteira. Conheço gente que usa cocaína há 30 anos e que funciona. Mas com o crack as pessoas assaltam e roubam tudo na frente.”
Recuperação “Mando para a casa de recuperação na Cidade de Deus garotas prostitutas, meninos viciados. Para não cair na vida nem ficar doente com aids, essa meninada precisa ter família e futuro. A UPP, para dar certo, precisa fazer a inclusão social dessas pessoas. É o que diz o Beltrame. E eu digo a todos os meus que estão no tráfico: a hora é agora. Quem quiser se recuperar vai para a igreja e se entrega para pagar o que deve e se salvar.”
Ídolo “Meu ídolo é o Lula. Adoro o Lula. Ele foi quem combateu o crime com mais sucesso. Por causa do PAC da Rocinha. Cinquenta dos meus homens saíram do tráfico para trabalhar nas obras. Sabe quantos voltaram para o crime? Nenhum. Porque viram que tinham trabalho e futuro na construção civil.”
Policiais “Pago muito por mês a policiais. Mas tenho mais policiais amigos do que policiais a quem eu pago. Eles sabem que eu digo: nada de atirar em policial que entra na favela. São todos pais de família, vêm para cá mandados, vão levar um tiro sem mais nem menos?”
Tráfico “Sei que dizem que entrei no tráfico por causa da minha filha. Ela tinha 10 meses e uma doença raríssima, precisava colocar cateter, um troço caro, e o Lulu (ex-chefe) me emprestou o dinheiro. Mas prefiro dizer que entrei no tráfico porque entrei. E não compensa.”
Nem estava ansioso para jogar futebol. Acabara de sair da academia onde faz musculação. Não me mandou embora, mas percebi que meu tempo tinha acabado. Desci a pé. Demorei a dormir.
Fonte: http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2011/11/meu-encontro-com-nem.html
Quero ratificar o que Nem disse sobre as ocupações das comunidades com as UPP's. O governo precisa tomar medidas corretivas a esses jovens que estão envolvidos no tráfico, até porque, muitos desses jovens, não são presos e sem uma oportunidade de mudança de vida continuarão a atuar no tráfico.
Aí você pode me perguntar: Mas como continuarão se as comunidades estão ocupadas pela polícia? E eu respondo: Só existem essas comunidades no Rio?
Sabe o que tem acontecido aqui em Guadalupe? Traficantes de comunidades ocupadas, principalmente a Mangueira, têm vindo para cá. Estávamos vivendo um momento tranquilo no bairro, mas depois das ocupações, o tráfico voltou e com força total. Na Comunidade Raio do Sol, onde reside uma boa parte dos irmãos de nossa igreja, pode-se ver adolescentes exibindo armas, enrolando maconha e vendendo pó à luz do dia.
Sábado passado foi aniversário de uma adolescente de nossa igreja que mora nessa comunidade. Fui à sua casa na parte da tarde parabenizá-la. Na volta para casa havia um rapaz do tráfico sentado no meio-fio. Ele é novo na área. Enquanto preparava seu cigarro de maconha, reclamava com os demais colegas que distavam uns 20 metros dele. Em seu lamúrio dizia: "O tráfico nunca me deu nada. Quero ver se vou ter décimo terceiro. É ruim hein! Nunca assinou minha carteira. Quero dizer, já assinou sim... doze vezes quando fui para cadeia". Aproximei-me dele e lhe disse: "Se o tráfico não oferece nada de bom por que não sai dele? Está na hora de mudar de vida, não acha? Isso não lhe dará futuro". Ele arregalou o olho e fechou a cara. Comecei a falar sobre Jesus e seu semblante melhorou um pouco, mas queria logo encerrar o assunto. Ele se levantou, ainda enrolando a maconha, e foi saindo. Perguntei seu nome e, desconfiado, me deu seu apelido. Nesse momento eu lhe disse que era pastor, disse o meu nome e convidei-o a estar conosco na igreja. Infelizmente não pode "descer" para essa área, mas eu lhe disse que isso não é problemas, pois de vez em quando estamos por ali. Quando ia embora, ele me disse seu nome verdadeiro para que eu esteja em oração.
A maioria desses jovens sabe que o crime não compensa. Não estão plenamente satisfeitos com a vida que levam. Percebemos isso com a fala de Nem e desse jovem.
Por isso concordo com o Nem... "Tem de botar ginásios de esporte, escolas, dar oportunidade... Se um filho de pobre fizesse prova do Enem com a mesma chance de um filho de rico, ele não ia para o tráfico. Ia para a faculdade."
Além do governo, a Igreja de Jesus também precisa atuar nesses lugares. A Bíblia é um agente transformador incrível. Pastoreio vidas que vivem nessas comunidades, mas Jesus as transformou. Algumas nunca se interessaram pelo mundo fácil do crime e outras o deixaram... tudo isto por causa do Senhor Jesus.
Deus nos ajude!
5 comentários:
Mt Showww
posso afirmar que por mais que seja uma visão boa , mas ainda é uma visão híper complexa. estamos cercados por pessoas que sabem o que devem ser feito, mas quando se tem a oportunidade de colocar em prática o que é devido, recuam e poem culpa nas autoridades. sei que existia uma visão de mudança na vida desse rapaz. acredito que ele tinha uma certa facilidade de percepção. mas eu aprendi uma coisa. só podemos gerar nas pessoas aquilo que também foi gerado antes em nós. ninguém ousaria falar de paz se estivesse com sua vida completamente atribulada. ninguém pode falar de mudança de vida sem que as deixem as práticas que a destrói. vamos ser transparente e coerentes. porque não colocar todos esses projetos lindos em prática ? será que havia espaço pra que as pessoas implantassem esses projetos com segurança dentro dessas comunidades ? me diz uma coisa: porque após as ocupações das policias foi feito um evento de gala, com danças, bailarinas, figurinos, enfim ! porque outrora isso não foi permitido? fica o meu pensamento !
seria o mesmo que a fé sem obras a qual jesus se refere !
todos acham que traficante sao maus,pelo o contrario nao nasceram ricos nao tem oportunidade com os ricos todos descrimina,olham feio como se focem uma coisa dar nojo ninguem ajuda uma pessoa que acaba de sair de uma prisao as pessoa sao mas muito mais do que imaginam.E se o governo legalizasse a ''droga'' isso sim ia acabar o governo ia da com bolsa cheio de dinheiro ai o trfico ia de trazer lucro e por isso que eles prendem traficantes os traficantes ganham/ganham e os governadores la so querando os deles descordo com Nem que a HORA E ESSA com eles de prende aparecem 10 e muitos deles policias !!!!!!!!!!!
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